segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Era uma vez Sintra...

Pode encontrar estas fotos aqui no TrekEarth



Escrevi o conto que se segue, quando tinha 15 anos. Nessa altura, comecei a estudar na Portela de Sintra. Nunca tinha convivido tão de perto com a Serra de Sintra, com o Castelo dos Mouros, com o Palácio da Pena, com a Vila... e sinceramente acreditei (e acredito) que Sintra é de facto um local mágico.

Com 15 anos, esta história foi a minha maneira de honrar Sintra, de lhe dizer como ela me fascinava e me encantava. Mas no Inverno, Sintra tem tanto de mágico e nostálgico como de mórbido...

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- Conta-me um conto - disseram-me - Conta-me um conto que fale de estrelas, céus, florestas…
- Um conto? – perguntei – Queres ouvir um conto que fale de magias, queres ouvir poesias que falem de amor?
- Sim. Quero um conto perdido no espaço e no tempo, quero ouvir falar de reis, rainhas, deusas… Quero um conto de outrora sonhado por ti.
- Era uma vez Sintra, - comecei então eu – terra sagrada dos deuses…
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Lá vivia Morgane, filha dos céus e das estrelas, lá de onde se erguia um castelo rude e simples, mas altivo e sobranceiro dos Mouros chamado.
Morgane nasceu na floresta, numa noite de tempestade. Nasceu da magia que os deuses evocaram para proteger Sintra. Foi abençoada e a sua vida destinava-se a um momento...
Na sua última noite, Morgane vestiu-se de branco, dançou no escuro, ergueu-se em preces, falou aos ventos, clamou poesias. A floresta, onde sempre sonhara acabar os seus dias, agitava-se em seu nome, explodia em tempestades.
Algures perdido nessa noite, um príncipe vagueava empurrado pelo vento e pela chuva, sem querer, sem saber para onde os passos o levavam. Seguia sem rumo até ouvir tais melodias e desconcertos. Seguindo o som acabou por encontrá-la. Demorou o olhar em Morgane, ficou deslumbrado com o momento.
Morgane movia-se num bailado magoado de gestos vincados e lentos. Insinuava-se como uma imagem deturpada… Dançava ao vento, à noite, à magia confusa do momento. Mostrava-se ao mundo e reclamava por um toque, um afago. E sorria confundindo a sua beleza no escuro que a esquecia.
Ele não sabia o que seguia, não conhecia o que adorava. Aproximou-se da mulher de branco que na floresta dançava… aproximou-se sem medo perdido no espanto, tocou-lhe ao de leve no seu corpo e pediu-lhe:
- Senhora de Branco, leva-me contigo nessas magias, ensina-me a sonhar que me sinto perdido.
Ela sorriu a medo e soprou-lhe para dentro do seu olhar, palavras de tudo e de sonho. Embalou-o na sua melodia e dançaram ao vento e à noite escura.
Os deuses ergueram-se numa só voz. Lançaram chuva e raios, pintaram os céus com brilhos, apagaram as brumas, abençoaram o momento.
Morgane e o seu príncipe esqueciam tudo e todos e amavam-se num momento secreto e sagrado. O sonho era tudo, a vida nada ou quase nada…
Quando o príncipe acordou nessa manhã, viu com surpresa que estava só. Relembrou a sua noite sem perceber se a vivera de facto ou se ficara perdido numa ilusão.
Nesse dia foi proclamado rei; dizia o povo que tinha sido escolhido pelos deuses. E contavam-se histórias no reino de que uma deusa surgira em Sintra no meio da tempestade e vestida de branco nas suas florestas dançara, clamando ao povo que já tinham rei. O povo chamava ao seu novo rei, príncipe da Pena, nome que a deusa cantara nas suas melodias.
Ao príncipe não lhe interessava um reino, nem sequer o seu palácio prometido. Não encontrava forças em si que encaminhassem um povo e não conhecia aquela história como o povo a contava. Só ansiava pela noite, por uma nova visão da sua mulher de branco.
Seis noites o príncipe vagueou sem rumo pela floresta, seis noites esperou pela mulher de branco, mas tudo permanecia vazio e intacto. Na sétima noite os céus estouraram em lamúrias e uma tempestade rompeu o silêncio. E o príncipe da Pena ouviu de novo aqueles cantares. Percorreu os jardins do Palácio, enfrentou a floresta dos Mouros e encontrou-a rezando na muralha mais alta do Castelo.
Ele apaixonado pediu-lhe tudo, Morgane insana deu-lhe a sua magia. O príncipe sem saber o que pedira, num golpe doce rasgou-lhe a vida... Preencheu-a na complacência de um grito e agitou-a em preces e murmurou-lhe delírios, ditou-lhe loucuras num beijo esquecido. Tarde na noite, o príncipe levou-a, a noite cantava melancolia, carregou-a nos seus braços enquanto chorava e tremia.
E os céus gritaram-lhe mil trovões, mostraram-lhe mil luzes, mas o apaixonado corria e ela nos seus braços desfalecia. Ele falou-lhe em preces e ainda que morresse, dava-lhe beijos e implorava-lhe que vivesse. Ela desmaiada em sonhos, perdida da vida, agitava-se em pesadelos… Morgane morria.
O apaixonado chorava, em lamúrias tristes e inconsoláveis. Ela deitada nos seus braços, era embalada numa melancolia terna, num afago meigo. Por entre soluços ele soprava-lhe palavras bonitas, acariciava-a e contemplava-a. Prometia-lhe céus, falava-lhe loucuras, implorava-lhe perdão… pedia-lhe apenas que ficasse.
- Peço-te que vivas – murmurava ele – quero que saibas que te amo… que vou proteger a tua serra todos os dias da minha vida.
E abraçou-a, num abraço carregado de estrelas, infinito e pena, muita pena... E Morgane, desfalecida nos seus braços, delirava poesias, falava de sonhos. Já se sentia longe, já vivia para lá do sol, era Deusa e Senhora de Sintra. Mas ouvia o seu príncipe que lhe dedicava preces de amor e magia…
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- Morgane morreu? – perguntou alguém num espanto.
- Sim. Todas as noites passeia de branco nas muralhas do Castelo, nos jardins encantados do Palácio, no alto da Serra, nas florestas sagradas de Sintra.
- E o príncipe da Pena?...
- Reinou um século, protegeu Sintra. Foi ao encontro de Morgane no castelo, todas as noites de tempestade.