sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O meu dragão de asas cortadas



a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
Ilustração de Al Stefano
a
a
A noite é escura, e o medo... é um dragão que tem asas e voa.
Um dia o dragão veio e agarrou-me. Respondeu, sem querer, às minhas preces. Levou-me para tão longe e tão alto, que eu até me esqueci que o acompanhava.
As suas asas... cortei-as! É meu prisioneiro. Fugir não foge porque já me ama. Eu sussurro-lhe: “Sou a tua princesa, a tua menina bonita. Sou o teu conto preferido de amor, aquela canção que te obriga a fechar os olhos e recordar...”
O meu dragão de asas cortadas... sonha comigo em sonos soltos, enrosca-me entre o seu pêlo, protege-me da vida. Ele pinta-me de cores bonitas, lambe-me os olhos, passa a mão no meu cabelo. Nada mais existe, só eu e o meu dragão.
Ao meu dragão nasceram-lhe outras asas, mais fortes e possantes. O meu dragão, outrora de asas cortadas, tira-me o frio e o medo... Protege-me da noite, dos gritos que me querem ensurdecer. Esfrega-se no meu corpo com um abraço e pede-me que não trema. Fecha-me os olhos e fala-me de estrelas para que a escuridão do meu olhar não seja intensa. Fecha-me os olhos...
Os dias passam, cada vez mais lentos, cada vez mais sós. O bom é pesado, o mel, fel. Eu quero agora acordar deste sono pesado e não consigo. Se ele nota que eu rasgo o luto, leva-me para mais longe para onde as alturas já nem sequer existem.
Quem não tem asas agora sou eu, mas fugir já não fujo porque o amo.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

The power of love, Frankie goes to Hollywood



Let yourself be beautiful...

Alguém

Sei de alguém que canta num deserto à noite.
Não é um deserto, é uma praia. Só que esse alguém canta de costas viradas para o mar.
Enquanto canta as ondas crescem e morrem. Esse alguém não gosta de as ver morrer. Por isso vira-lhe o rosto e escuta-as apenas, e daí canta. Talvez por isso o seu cantar é vaivém.
Um dia uma gaivota, que o vento empurrou por engano, disse-lhe... Disse-lhe que as ondas não morrem. Disse-lhe que se levantam e caem porque querem ver o rosto da desconhecida que lhes canta.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Amélie Poulain



Um dos meus filmes favoritos, já para não falar da banda sonora que é incrível :)

Ophelia


a
a
a
a
Ophelia por Millais (1829-1896)
a
a
a
a
Se te deitares nas águas azuis e calmas... fecha os olhos e dorme. A espuma há-de embrulhar os teus cabelos e colorir-te de brilhos, cores e risos. Não faz mal não respirar. Para quê?... Foste feita para mergulhar nas águas e fechar os olhos. Deita-te no silêncio e fica... fica enquanto lá fora gritarem e estiver escuro. Fica que aqui é tudo azul e bonito. Lá fora está frio e parece-me que também não pertences lá.
Deixa-te ficar, que as fadas hão-de vir buscar-te...
Lá fora o Outono continua com os seus castanhos de ouro pendurados nas árvores. Lá fora a realidade chega despida ou vestida de preconceitos. E tu não queres nada disso, eu sei. Tu sabes que a lua não é um rosto bonito no céu a sorrir, tal como o sol não é o fogo que queima cá dentro. A vida não é um respirar contínuo tão-somente, aliás, tu sabes que isso é o menos importante.
Deixa-te ficar que as fadas hão-de vir buscar-te...
Bem sei que há os que choram, mas mesmo esses hão-de secar as suas lágrimas. Tu mais tarde serás sombra vestida de cores com asas.
Deixa-te ficar que as fadas hão-de vir buscar-te...
Chegarão de mansinho, com pés de orvalho. Hão-se tocar-te ao de leve, espalhando os teus cabelos, cobrindo-te de óleos de cheiros. Hão-de beijar-te, sugar-te a vida, soprar-te histórias bonitas para dentro do teu sono.
Vês?... Não faz mal não respirar.
A tua imagem no lago de cores de Outono será ainda pintada por um louco inspirado pelo destino. Desenhará o teu cabelo espalhado no lago como fogo, e o teu rosto tranquilo dirá que encontraste fadas pelo caminho.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Please do not go, Violent Femmes



A quem me apresentou os Violent Femmes... um muito obrigada, por tudo.

Pérola perfeita


a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
Vermeer, Rapariga com brinco de pérola
a
a
Pérolas, contas do mar que fazem colares para fadas.
Contas de contos... uma por criança, outra por sonho perdido, outra ainda por desgosto sentido.
São contas, com laivos de arco-íris que enfeitam cabelos e pescoços nus. Desmancham-se em grãos de areia por cada fada que morre sufocada pelas próprias asas.
As pérolas desfazem-se... não há sorrisos para as manter. Não há lambidelas do tempo que as tornem redondas e com paciência as vejam crescer.
Pérolas... uma ironia do tempo. Quem espera alcança, quem é impaciente agarra areia que escorrega pelos dedos.
Pérolas, contas do mar, contos de amor, contos de amar...
Quem vai esperar pela pérola perfeita?

domingo, 24 de agosto de 2008

Havia alguém


a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
Ilustração de Benjamin Lacombe
a
a
Havia alguém que ficava comigo…
Tinha uns cabelos de noite e uma voz terna.
Ela baixava a cabeça para me segredar ao ouvido, a luz morria.
Ficava a lua e uma voz que cantava.
Falava-me de montanhas onde havia castelos, onde reis viveram.
Falava-me do mar e da terra,
Falava-me de um castelo pertinho do céu onde queria viver…

Veja bem, meu bem... - Maria Rita

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Fadas


a
a
a
a
a
a
a
a
Ilustração de Nicoletta Ceccoli
a
Vejo fadas, ou melhor, eu sinto o vento gelado que me sopram nas costas. São cores rasgadas com asas que não me concedem desejos nem sequer têm varinha de condão. Penso que se perderam a caminho do céu. Foram um dia crianças, engolidas pelo mundo, vividas pela vida. Fecharam os olhos e abraçaram o sol. Queimaram tudo por dentro. Não restaram senão cinzas que o vento pegou e levou.
Na realidade, elas perseguem-me com as suas histórias. Fico cem anos mais velha por cada história repetida daqueles livros de páginas amarelecidas e rasgadas pelo tempo. Eu bem que fecho os olhos e grito, para não ouvir senão a minha voz... Mas ecoam os seus gemidos e elas tão tristes e violadas pela indiferença, imploram-me que ouça.
Eu observo-as... as fadas de face gelada, de mãos trémulas e frias, cantam enquanto se sentam num canto de um chão vazio e sujo. Vivem para lá do palpável, para lá do que vive. São sombras apenas, que me acompanham e que me lembram de que o medo e as sombras existem. Têm saudades daquilo que nunca tiveram, saudades do escuro e do colo, de um beijo terno que nem se sente. Passam a noite no embalo e as saudades ficam no aconchego e no amor. Quando embaladas nem sabem se as amam, nem sabem se as amam...
E eu sinto sabor a areia, a vento e a fadiga. Cuspo raiva para o chão mas este sabor não passa. Bebo água, água e mais água querendo que ela me afogue por dentro e por fora. Agarro a cabeça com força, mas continua tudo a andar à roda, à roda, em agonias violentas, em enjoares estonteantes. O carrossel não pára e as crianças gritam porque os lindos cavalinhos de pau as atiram ao chão. São fadas agora...
Fadas que concedem desejos a quem tem tudo...

Solidão
















Ilustração de Benjamin Lacombe

Sean Riley



Para ouvir, fechar os olhos e embalar o corpo...

Lua nos meus olhos


Ilustração de Marta Chicote
.
A minha cama é o tapete voador dos meus sonhos.
Junto com força os joelhos ao peito e os meus cabelos voam, porque o meu pensamento viaja longe, para lá das árvores e do negrume do céu. O gato preto mia. Salta para o tapete comigo e espera boleia nestas viagens.
Vejo a lua num céu de pontinhos brilhantes. Ela sorri-me sem rosto, só com lábios de luz.
Eu olho a lua e ela revê-se no meu olhar… eu sou o outro lado do espelho onde vive a sua alma… calma e gentil com sussurros de vaivém.
Houve um dia… que o céu ficou sem lua. Ela não voltou. Ficou presa cá dentro, embalada na água dos meus olhos. Pensou que tinha encontrado o mar… eu expliquei-lhe aflita, que não era aí o seu lar. Mas ela demorou-se a querer ouvir, não quis saber.
Lá fora achavam que era Lua Nova e a escuridão da floresta ficava assim decifrada.
Os dias passavam e a Lua era apenas um fantasma no céu…
As marés não se conformavam. Primeiro desconfiadas a Lua Nova aceitaram, mas lá dentro da sua alma sentiam o engano. O tempo escorria e as ondas desorientaram-se, perderam o rumo… Procuraram inquietas a sua musa em todo o lado. Primeiro buscaram o sorriso de luz dentro das suas águas: indagaram os peixes, os corais e as estrelas-do-mar… Mas depois galgaram praias, penhascos, florestas e estradas. Fizeram-se à terra em busca de orientação.
Os homens fugiam incrédulos das terríveis ondas … Os dedos de mar apertavam carros, esmagavam casas, colhiam vidas… deixando apenas um rasto de sal.
Eu escondia os olhos com medo… indefesa mas responsável por tal destruição. Pedia ao sorriso de luz por tudo que se soltasse dos meus olhos… que pelo seu descuido outros sofriam.
“Não foi descuido”, disse-me a Lua a medo, “Foi amor…”
E o meu cabelo desprendia-se em asas que se queriam salvar dos braços de água e sal.
Foi então que decidida abracei as ondas de sal e de mar.
O sorriso de luz e a água dos meus olhos… iriam ao mar regressar.

The sacrifice, Michael Nyman

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Partir


a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
Ilustração de Susanne Jansen
a
Encontro em mim a vontade de ir.
De partir, de sair, de simplesmente ir.
Na realidade nem preciso de malas,
a espuma do mar vou encontrá-la cá dentro.
Vai ser um fechar de olhos com força,
Com o escuro a lamber-me as pestanas do sal que guardo dos sonhos.
Realmente não vou longe,
Mas a viagem será longa e tenebrosa.
Temo as vagas e o chamamento confuso das águas…
São mares antigos que estremecem cá dentro,
Estouram em sal e soluços e sabor a vento.
É água que me afoga e grita e que me enche os pulmões.
Fico assim portanto:
Sozinha no cais à espera da coragem que me vai obrigar a reencontrar.
Rio sem querer aflita e com a audácia do não querer ficar,
Toco a fenda desta alma de pedra imaculada.
E vou.
Despejo a gaveta no chão.
Cá dentro encontro cartas, beijos, gavetas cheias de outros, de mim, de páginas arrancadas e riscadas.
Sinto corar em mim as faces, o estômago aperta-se com dor.
Gaveta despejada no chão
Com a alma apertada de gritos mal dados…
Rebento as cordas que me magoam as asas.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Jason de Caires Taylor Underwater Sculptures



Não se esqueçam de ligar o som...