sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Fadas


a
a
a
a
a
a
a
a
Ilustração de Nicoletta Ceccoli
a
Vejo fadas, ou melhor, eu sinto o vento gelado que me sopram nas costas. São cores rasgadas com asas que não me concedem desejos nem sequer têm varinha de condão. Penso que se perderam a caminho do céu. Foram um dia crianças, engolidas pelo mundo, vividas pela vida. Fecharam os olhos e abraçaram o sol. Queimaram tudo por dentro. Não restaram senão cinzas que o vento pegou e levou.
Na realidade, elas perseguem-me com as suas histórias. Fico cem anos mais velha por cada história repetida daqueles livros de páginas amarelecidas e rasgadas pelo tempo. Eu bem que fecho os olhos e grito, para não ouvir senão a minha voz... Mas ecoam os seus gemidos e elas tão tristes e violadas pela indiferença, imploram-me que ouça.
Eu observo-as... as fadas de face gelada, de mãos trémulas e frias, cantam enquanto se sentam num canto de um chão vazio e sujo. Vivem para lá do palpável, para lá do que vive. São sombras apenas, que me acompanham e que me lembram de que o medo e as sombras existem. Têm saudades daquilo que nunca tiveram, saudades do escuro e do colo, de um beijo terno que nem se sente. Passam a noite no embalo e as saudades ficam no aconchego e no amor. Quando embaladas nem sabem se as amam, nem sabem se as amam...
E eu sinto sabor a areia, a vento e a fadiga. Cuspo raiva para o chão mas este sabor não passa. Bebo água, água e mais água querendo que ela me afogue por dentro e por fora. Agarro a cabeça com força, mas continua tudo a andar à roda, à roda, em agonias violentas, em enjoares estonteantes. O carrossel não pára e as crianças gritam porque os lindos cavalinhos de pau as atiram ao chão. São fadas agora...
Fadas que concedem desejos a quem tem tudo...

Sem comentários: